O anel de Giges

O mito do anel de Giges

Giges era um humilde pastor de ovelhas, em um país muito pobre. Uma vez pastoreando o rebanho, deu-se com uma grande tempestade seguida de um tremor de terra, que abriu uma enorme fenda na terra. Ali ele viu a estátua oca de um grande cavalo de bronze. Dentro dela havia um cadáver com um brilhante anel de ouro na mão. Tomando-o para si, descobriu que ele tinha o poder mágico de torná-lo invisível. Com tal capacidade, ele se aproximou do palácio real, seduziu a rainha, matou o rei e chegou ao poder.

A interpretação de Platão

Utilizando-se dessa estória, em seu livro II de “A República”, Platão (427-347 a.C.) coloca em questão a firmeza da justiça de quem por algum momento percebe que não será visto por ninguém. Segundo Platão, o caráter do justo em nada se diferencia do injusto quando ambos estão fora do campo de observação dos outros.

Nesse caso, o bom equipara-se ao mau revelando, na verdade, que a natureza humana é inclinada naturalmente à ganância, à violência, à vaidade e ao desejo de ter sempre mais poder, mais glória, mais conforto, mais prazeres e mais vantagens. Ninguém é bom, honesto e íntegro voluntariamente. Se alguém contém seus instintos e evita lançar mão de tudo o que deseja, não o faz por sua natureza justa, mas porque teme represálias daqueles com os quais convive e dos guardiões da justiça.

A fábula contada por Platão nos mostra, portanto, que Giges diante da certeza de que ninguém o estava vendo permitiu que sua natureza corrupta aflorasse, natureza que até então estava contida enquanto era um simples pastor de ovelhas vivendo no meio de seu povo, que o protegia com seus valores de justiça.

A coerência bíblica

Para nós, cristãos, Platão não falou nenhuma novidade. Desde o gênesis, milhares de anos antes do filósofo, Deus já havia deixado bem claro a Moisés que a natureza humana é inclinada para o mal:

5 O Senhor viu que a perversidade do homem tinha aumentado na terra e que toda a inclinação dos pensamentos do seu coração era sempre e somente para o mal. (Gn 6:5)

Por essa razão, todo pai e toda mãe tem de ensinar seus filhos a fazer o bem, o certo, o justo e o moralmente correto, porque o ser humano que não recebe de seus pais tais ensinamentos e correções tende, naturalmente, a desenvolver vícios de comportamento que consideramos maus. Uma criança tenra e doce é capaz de levantar a mão para dar um tapa no rosto de sua mãe quando contrariada. De igual modo, irrita-se quando não recebe o que pede na hora que quer e mostra sua indignação com birras intermináveis. Aquelas que não são corrigidas, nós as chamamos de crianças “sem educação”.

Por isso, mulheres e homens maduros, que sabem distinguir o bem do mal, estabelecem regras de comportamento para seus filhos e os mantêm sob constante vigilância até que o seu caráter esteja adequadamente forjado para sua própria proteção. Franklin Pierce Jones certa vez disse que “resistir às tentações fica mais fácil se recebemos uma boa educação, contamos com um sólido sistema de valores, e há testemunhas por perto”.

A sabedoria de Deus precede a dos homens e, exatamente nesse sentido, desde a antiguidade, Deus deu ao seu povo a Lei de Moisés; ordenou que todos fossem instruídos acerca de seus preceitos, a fim de estabelecer a vigilância mútua; estabeleceu punições para os transgressores; e instituiu sacerdotes, juízes e reis para estabelecer a justiça.

O apóstolo Paulo admite que a lei de Deus, bem estabelecida em nossa consciência, é o fator capaz de nos mover à prática do bem e de nos fazer evitar o mal que está em nossa natureza carnal. Paulo, reconhecendo a intensidade da inclinação para o pecado, que está na natureza humana, dá graças a Deus por Jesus Cristo, aquele que por sua morte nos oferece o perdão quando falhamos:

18. Sei que nada de bom habita em mim, isto é, em minha carne. Porque tenho o desejo de fazer o que é bom, mas não consigo realizá-lo. (...) 21. Assim, encontro esta lei que atua em mim: Quando quero fazer o bem, o mal está junto a mim. 22. Pois, no íntimo do meu ser tenho prazer na lei de Deus; 23. mas vejo outra lei atuando nos membros do meu corpo, guerreando contra a lei da minha mente, tornando-me prisioneiro da lei do pecado que atua em meus membros. 24. Miserável homem eu que sou! Quem me libertará do corpo sujeito a esta morte? 25. Graças a Deus por Jesus Cristo, nosso Senhor! De modo que, com a mente, eu próprio sou escravo da lei de Deus; mas, com a carne, da lei do pecado. (Romanos 7:18-25)

Hoje, temos a lei de Deus em nossos corações, mas não podemos desprezar a nossa inclinação carnal. Por mais justos, honestos, íntegros, mansos ou bondosos que sejamos, corremos o mesmo perigo que Giges. Na “invisibilidade” do anonimato, ou em um ambiente em que pensamos que não estamos sendo vistos ou julgados por ninguém, nossa natureza pecaminosa pode aflorar. E isso vale para crentes e descrentes, puros e impuros.

Por certo, em sua mente já passou pensamentos maus que até o assustou. Isso apenas prova que você é um ser humano normal, cuja natureza é inclinada para o mal. Mas, apesar disso, se temos o Espírito Santo de Deus, devemos produzir o fruto do Espírito, que inclui entre suas virtudes o domínio próprio.  

22. Mas o fruto do Espírito é amor, alegria, paz, paciência, amabilidade, bondade, fidelidade, 23. mansidão e domínio próprio. Contra essas coisas não há lei. Gálatas 5:22,23

Sabendo disso, vamos apresentar algumas situações em que você deve exercitar o domínio próprio e afastar-se delas para evitar ser levado como Giges foi.

Navegação anônima na internet

Navegar pela internet anonimamente é um desses ambientes perigosos. Há iscas com anzóis por quase todas as páginas. Uma vez mordida a isca, o anzol começa a puxar o homem para ambientes cada vez mais escuros e secretos, onde tudo está preparado para tirar sua vida. Nos tempos bíblicos não havia internet, mas a estratégia de Satanás sempre foi a mesma, agindo na escuridão, em lugares escondidos, de tocaia. Por isso, Deus já advertia o homem que andasse sempre na claridade, na luz da sua palavra para não cair no laço do Diabo:

26. Meu filho, dê-me o seu coração; mantenha os seus olhos em meus caminhos, 27. pois a prostituta é uma cova profunda, e a mulher pervertida é um poço estreito. 28. Como o assaltante, ela fica de tocaia, e multiplica entre os homens os infiéis. (Provérbios 23:26-28)

14 O ensino dos sábios é fonte de vida, e afasta o homem das armadilhas da morte. (Provérbios 13:14)

Diálogos anônimos

Outro ambiente escuro é aquele em que se estabelecem diálogos anônimos pela internet, entre pessoas que não sabem quem são. A “invisibilidade” e o sigilo são verdadeiros estímulos à natureza carnal, seja no desenvolvimento de ofensas, seja no estabelecimento de conversas inconvenientes. Qualquer que seja o caso, esse é um ambiente de trevas, onde Deus fica de fora e Satanás tem plena liberdade de agir e enredar os homens para o indecoroso:

3. Entre vocês não deve haver nem sequer menção de imoralidade sexual nem de qualquer espécie de impureza nem de cobiça; pois estas coisas não são próprias para os santos. 4. Não haja obscenidade nem conversas tolas nem gracejos imorais, que são inconvenientes, mas, ao invés disso, ação de graças. 5. Porque vocês podem estar certos disto: nenhum imoral nem impuro nem ganancioso, que é idólatra, tem herança no Reino de Cristo e de Deus. 6. Ninguém os engane com palavras tolas, pois é por causa dessas coisas que a ira de Deus vem sobre os que vivem na desobediência. 7. Portanto, não participem com eles dessas coisas. 8. Porque outrora vocês eram trevas, mas agora são luz no Senhor. Vivam como filhos da luz, 9. pois o fruto da luz consiste em toda bondade, justiça e verdade; 10. e aprendam a discernir o que é agradável ao Senhor. 11. Não participem das obras infrutíferas das trevas; antes, exponham-nas à luz. 12. Porque aquilo que eles fazem em oculto, até mencionar é vergonhoso. 13. Mas, tudo o que é exposto pela luz torna-se visível, pois a luz torna visíveis todas as coisas. (Efésios 5:3-13)

É também bom lembrar que nesses lugares anônimos e sigilosos há sempre alguém de tocaia, escondido, armando laços, tentando atrair incautos para se associarem a práticas impuras, desonestas ou ilegais. A modernidade de hoje não traz nenhuma novidade em relação à espreita maligna para apanhar os filhos de Deus.

8. Ouça, meu filho, a instrução de seu pai e não despreze o ensino de sua mãe. (...) 10. Meu filho, se os maus tentarem seduzi-lo, não ceda! 11. Se disserem: "Venha conosco; fiquemos de tocaia para matar alguém, vamos divertir-nos armando emboscada contra quem de nada suspeita! (...) 13. acharemos todo tipo de objetos valiosos e encheremos as nossas casas com o que roubarmos; 14. junte-se ao nosso bando; dividiremos em partes iguais tudo o que conseguirmos! (Provérbios 1:8; 10-12; 13-14)

Por isso, o Senhor nos diz para ficarmos visíveis. Nenhuma rede será armada contra nós se estivermos em lugares visíveis. Enquanto podemos ser observados, certamente nossa carnalidade ficará contida. Isso não é fraqueza, mas vigilância, pois quem está de pé, cuide para que não caia (1 Co 10:12). Quem não considera esse conselho, cairá em sua própria emboscada:

15. Meu filho, não vá pela vereda dessa gente! Afaste os pés do caminho que eles seguem, 16. pois os pés deles correm para fazer o mal, estão sempre prontos para derramar sangue. 17. Assim como é inútil estender a rede se as aves o observam, 18. também esses homens não percebem que fazem tocaia contra a própria vida; armam emboscadas contra eles mesmos! (Provérbios 1:15-18)

Difamar às ocultas

Por último, outro ambiente perigoso é o que, reservadamente, difama-se quem não está presente e que, por não ter conhecimento do que está sendo dito, não tem como se defender. Tal espaço para se falar mal dos outros “secretamente” reside na escuridão, ativa a natureza carnal humana e estimula a malignidade, capaz de pôr fim em amizades e provocar morte. Assim, devemos reprovar conversações difamatórias na ausência do difamado, que nada sabe sobre o que tramam contra ele e por isso não tem como se defender. É igualmente reprovável diante de Deus quem assim procede:

"11 E não sejais cúmplices nas obras infrutíferas das trevas; antes, porém, reprovai-as." (Efésios 5:11)

Nunca devemos nos esquecer, nem por um só momento, que Deus habita na luz, mas perscruta até os ambientes mais ocultos da nossa existência e um dia teremos de nos apresentar diante dele e toda a nossa vida será descortinada.

"Ocultar-se-ia alguém em esconderijos, de modo que eu não o veja? — diz o Senhor; porventura, não encho eu os céus e a terra? — diz o Senhor." (Jeremias 23:24)

"Portanto, não os temais; pois nada há encoberto, que não venha a ser revelado; nem oculto, que não venha a ser conhecido." (Mateus 10:26)

"36 Digo-vos que de toda palavra frívola que proferirem os homens, dela darão conta no Dia do Juízo;" (Mateus 12:36)

Portanto, que não haja entre nós, discípulos de Jesus, ninguém que tenha atividades secretas, diálogos anônimos carregados de conteúdo impróprio, com linguagem obscena, imoral, ofensiva e que promova a inimizade e a maldade. Também, afastemo-nos de reuniões ou grupos de conversas sigilosas para falar mal dos outros, sem que o ofendido tenha oportunidade de se defender. Sejamos transparentes, sinceros, amigos da verdade, associados à justiça e jamais deixemos que o nosso Giges desponte, apresentando-se como um homem vitorioso quando, na verdade, aos olhos de Deus é um exemplo de fracasso.

11. Não participem das obras infrutíferas das trevas; antes, exponham-nas à luz. 12. Porque aquilo que eles fazem em oculto, até mencionar é vergonhoso. 13. Mas, tudo o que é exposto pela luz torna-se visível, pois a luz torna visíveis todas as coisas. (Efésios 5:3-13)

Se procedermos bem, poderemos ficar tranquilos, pois seremos aprovados por Deus no dia em que nos apresentarmos diante dele:

"5 Portanto, nada julgueis antes do tempo, até que venha o Senhor, o qual não somente trará à plena luz as coisas ocultas das trevas, mas também manifestará os desígnios dos corações; e, então, cada um receberá o seu louvor da parte de Deus. " (1 Coríntios 4:5)

Por: Pastor Sólon Pereira

Em 4 de agosto de 2016.